Eu gosto muito das festas juninas e acho que, estatisticamente, você que está lendo este texto também gosta. Uma pesquisa realizada pela JLeiva Cultura & Esporte para verificar qual a festa popular preferida do brasileiro, realizada entre 19 de fevereiro e 22 de maio de 2024, ouviu 19,5 mil pessoas com idade acima de 16 anos nas 26 capitais brasileiras e no Distrito Federal. O resultado foi que, pasmem, em todas as capitais a festa junina ganhou até do carnaval.

Fui perguntar pro ChatGPT qual era a origem das festas juninas e o prompt retornou o seguinte trecho:

As festas juninas têm origem nos festivais pagãos europeus que celebravam o solstício de verão no hemisfério norte, por volta do dia 21 de junho. Esses festivais eram marcados por fogueiras, danças e rituais agrícolas para garantir boas colheitas. Com a cristianização da Europa, essas celebrações foram incorporadas ao calendário da Igreja Católica sendo associadas a Santos.

É interessante pensar como é a história da nossa cultura atual e faço muito isso ultimamente: perguntar ao ChatGPT várias coisas no dia a dia, isso tem aumentado meu repertório de assuntos para conversas de bar.
Mas, voltando ao tema do meu texto aqui, quero falar especificamente da fogueira de São João e sua relação com a história da química. Claro que não somente a fogueira de São João, mas qualquer fogueira e, na verdade, não só as fogueiras, mas o processo de queima é química pura e um dos fenômenos naturais que mais chamava a atenção do ser humano desde a era pré-histórica.

Uma equipe internacional liderada pela Universidade de Toronto e pela Universidade Hebraica identificou traços microscópicos de cinzas de madeira, datada de um milhão de anos atrás, dentro da Caverna Wonderwerk (África do Sul), que não poderiam ter sido causadas por processo de queima natural, mas sim intencional.

Pensando evolutivamente, manipular o fogo e outros materiais foi um grande salto cognitivo. Imagino o frenesi dos Homo erectus aprendendo como fazer fogo e provando churrasco pela primeira vez. Essa primeira prática de controle do fogo não foi documentada, como quase tudo foi a partir da invenção da escrita. Portanto, vou focar quando começou-se a pensar no fogo cientificamente e que temos acesso através da história escrita.

Por volta de 1718, o médico e químico alemão Georg Ernst Stahl formulou a “teoria do flogisto” (do grego phlogistos, inflamável), com a qual pretendia explicar o fenômeno da combustão (queima), que intrigava os filósofos naturais desde a Antiguidade. A teoria dizia que as substâncias que tinham a capacidade de queimar tinham, no seu interior, em proporções desiguais dependendo do material, o “princípio do fogo” ou “flogisto” que era liberado durante a queima. Ele seria invisível e impossível de ser isolado sendo observável somente nas suas manifestações de calor e luz.

Essa teoria foi aceita por 71 anos até alguns experimentos de  Lavoisier, como veremos mais a frente. Mas, antes, vamos falar um pouco de alguns experimentos feitos por um cientista inglês devoto da teoria do flogisto de Stahl, Joseph Priestley.

Priestley desenvolveu intensa atividade experimental, mais especificamente focalizada na química dos gases, pois acabou por morar perto de uma cervejaria que liberava forte cheiro durante seu processo de produção. Curioso como todo cientista, Priestley pediu para captar um pouco dos gases liberados pela fábrica para avaliação. Imagino ele chegando e pedindo para pegar os gases que eram liberados nos tanques e o pessoal olhando estranho pra ele igual a menina do meme.

Após várias experiências com o gás captado da fábrica, ele conseguiu diluir um pouco desse gás em água. Ele bebeu a água e percebeu que ela era levemente ácida e tinha um gosto agradavelmente picante e refrescante. O querido descobriu a água gasosa, ou soda, senhoras e senhores.

Ele ganhou fama em 1773, recebendo uma medalha Copley da Sociedade Real, o mais antigo e prestigioso prêmio da área científica, e ingressou na Academia de Ciências de Paris. Na época ele não sabia que era o Gás Carbônico, mas sabia que era um “ar fixo”, algo diferente por assim dizer.

Ele não parou por aí e continuou com suas pesquisas. Em um dia de sol, ao aquecer uma amostra de óxido de mercúrio (cinza vermelha) com a ajuda de uma lente de aumento, descobriu que glóbulos prateados (metal líquido mercúrio) começaram a aparecer no meio da cinza vermelha enquanto liberava um gás sem cor. E você aí achando que a lupa só serve pra matar formiga com o calor do sol.

Agora, veja você, de onde o camarada tira essas ideias? Imagino ele acordando e tomando café com a esposa e dizendo: “querida, hoje vou queimar com a luz do sol um pouco de óxido de ferro e ver o que acontece, me acompanha?”. E, pasmem, ela o ajudava nas suas atividades científicas. Praticamente feitos um para o outro. Viva Santo Antônio casamenteiro.

Como ele era o curioso dos gases (sem piadinha infame aqui, por favor) acabou por isolar esse gás que era liberado na queima do óxido de ferro e verificou que ele tinha a propriedade de aumentar a chama do fogo. Hoje sabemos que era o gás oxigênio, mas na época ele não sabia disso e chamou o gás liberado no experimento de “ar deflogisticado” ou seja “um ar que não estaria saturado de flogisto”. Isso porque a teoria do Flogisto, que Priestley seguia como verdade, dizia que o ar ao redor do que estava a queimar absorvia o flogisto liberado e, quando o ar estivesse “saturado” de flogisto nada mais poderia continuar queimando.

Ok, tá ficando confuso. Vou parar por aqui, mas o que eu queria que entendessem é que demorou muito para que entendêssemos o que realmente acontece durante a queima dos objetos inflamáveis como entendemos hoje.

Mas Priestley, na verdade, não fez cair a teoria do Flogisto, pois ele acreditava nela. Então apenas ajustou suas descobertas para encaixar na teoria vigente. Quem fez realmente a teoria do flogisto cair foi Antoine-Laurent Lavoisier. Ele estudou Direito na França, mas seu interesse mesmo era estudar ciências.

s pesquisas de Lavoisier sobre os gases foram devidas à sua procura por uma explicação científica para o fenômeno da combustão, já que era descrente da teoria do flogisto. A partir da pesagem de vários materiais antes e depois de serem queimados, ele percebeu que, diferente do que se esperava, após a queima os materiais ganhavam peso, e não perdiam.

Hoje sabemos que é o oxigênio que adere na matéria que é queimada, mas isso ia totalmente contra a teoria do flogisto que dizia que algo era liberado durante a queima. Essas conclusões de Lavoisier viriam a ser conhecidas em 5 de maio de 1773, quando novos experimentos haviam confirmado as conclusões relatadas.

Em Memória intitulada “Reflexões sobre o Flogisto”, apresentada em 1785, Lavoisier escreveria que era necessário emitir opinião sobre o “erro funesto na Química, e que me parece ter retardado consideravelmente o progresso, pela maneira má de filosofar que ela introduziu”. E mais adiante: “é tempo de reconduzir a Química a uma maneira mais rigorosa de raciocinar”. Tá bom, Lavoisier, também não precisa esculachar. Mas, verdade seja dita, foram 71 anos aceitando como verdade uma teoria incorreta sobre o fogo da fogueira de São João. Boas festas aí e viva São Lavoisier!